"As regiões traiçoeiras e inexploradas do mundo não se encontram nos continentes ou nos mares; estão nas mentes e nos
corações dos homens."(Saint Exupéry)

domingo, 5 de junho de 2011

Por uma outra Geografia Agrária: O gato Geógrafo e suas reflexões sobre a origem da Propriedade Privada sob a ótica Rousseauniana


Um gato passeia à lua cheia e, sem querer encontrar alguém naquele telhado, acaba batendo-se de frente com o nosso personagem, o gato filosófico. Gatos são gatos, seres notívagos que anseiam por marcar, delimitar seus territórios, exceto o Geográfico, que já aprendeu, e faz tempo, que não devem existir barreiras, limites para as suas ações, desde que elas não venham a prejudicar ou interferir na vida alheia.

No entanto, o gato ‘estrangeiro’ ao nosso personagem não tinha ainda adquirido para si essa noção político-espacial. Era preciso arranjar um jeito de, entre miados mais fortes e pulos mais leves, abordá-lo para conversarem sobre as fronteiras, não somente sobre as concretas, que os separavam no telhado, nas propriedades, mas principalmente as abstratas, que separam os animais e os seres humanos de suas verdadeiras intenções. Isso significa dizer que as pessoas, os animais, os locais - espaços terrestres, aéreos e aquáticos - estão condicionados a limites sócio-políticos e geográficos, impostos por quem detém o poder sobre determinado lugar, ou seja, questionando o conceito de limite, o nosso gato Geográfico entende que, em nenhum momento, pode-se falar na noção de ‘limite’ como sendo algo “natural”, tal qual o dicionário refere-se ao dar o seu significado: “fronteira natural que separa um país de outro” (Dicionário on-line da UOL).

Foi, então, num movimento repentino, que o gato Geográfico dirigiu seu miado ao gato desconhecido e, embora ambos sem referências um do outro, começaram o bate-papo inteligente no telhado de uma casa qualquer, obviamente, de propriedade de um dono qualquer. Conversando daqui, conversando dali, os mais novos amigos acabaram por inferir que a noção de limite territorial está totalmente relacionada ao poder econômico e, consequentemente, político sobre tal espaço, ou seja, ao seu domínio legal por alguém que comprou ou ocupou à força esse pedaço de terra. Esse tipo de raciocínio faz muito mal ao gato Geográfico, uma vez que ele, como é um personagem de rua, ‘por opção’, acaba se lembrando de todas aquelas pessoas que vivem ao relento ou que não têm casa para morar, que não têm dinheiro para comprar um local que seja sua moradia, por exemplo.

Obviamente, entre argumentos e mais argumentos, os gatos chegaram à conclusão de que deveriam contribuir com esclarecimentos maiores à população geral do planeta. Pois bem, o gato Geográfico fez questão de frisar que nem sempre as coisas foram assim, egoisticamente divididas. No momento em que o homem se apropriou da terra e daquilo que estava nela, tornou-se injusto com o seu semelhante. Essa divisão, entre os que têm e os que não têm, também é inadmissível na cabeça do nosso gato libertário, pois, na sua concepção, todos deveriam ter as mesmas condições de vida e não serem explorados por ninguém, ainda mais quando os critérios de exclusão foram dados por nossos antepassados, ou seja, por quem chegou primeiro ao local e se apoderou dele, ou os negociou de maneira absurda, isto é, através da força, o que significa dizer que foi "na marra" mesmo! Por isso, o gato filosófico resolveu reproduzir alguns conhecimentos anteriores para o novo amigo:

“O filósofo Rousseau, um dos precursores da Revolução Francesa, foi, certamente, quem mais cedo denunciou as conseqüências da apropriação privada da terra. Ele considera a instituição da propriedade privada da terra como a origem da desigualdade entre os homens, o momento inicial em que as classes dominantes transformaram em lei aquilo que já possuíam na forma de força. A propriedade privada, portanto, não se origina da natureza, mas se funda em convenções, as quais resultam da ordem social predominante. As circunstâncias que conduziram ao aperfeiçoamento da razão e à ruína da humanidade são, segundo Rousseau, o estabelecimento da propriedade (devido à existência de ricos e pobres), a instituição da magistratura (por haver poderosos e fracos) e a manutenção do poder legítimo em poder arbitrário (que determinaria o último grau de desigualdade, entre patrões e escravos). Nas palavras de Rousseau, em seu famoso Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens: “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, quantas guerras, assassinatos, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!” E, com base nessa constatação, Rousseau fundamenta sua crítica à instituição da sociedade civil e das leis: “Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria”.

Amanheceu e, evidentemente, por tudo que o nosso personagem falara a ele, o gato recém-amigo tornou-se simpático às suas ideias de liberdade e aos seus anseios revolucionários, não com a intenção de justificar alguma noção saudosista da situação exposta, mas como fonte de interpretação para encontrar novas saídas às catástroficas relações humanas que vivenciamos diante da desigualdade social.
 
(Texto Adaptado por Daniel Dreamweaver sobre a autoria de Tânia Marques do Blog:  http://marquesiano.blogspot.com/search/label/propriedade%20privada?&max-results=7)

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